segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

         Pronunciamento Câmara de Vereadores de São Francisco de Paula
Dezembro de 2015


         Pronunciamento feito na Câmara de Vereadores de São Francisco de Paula, dia quinze de dezembro de dois mil e quinze,  por ocasião do pedido da inclusão do Manifesto Serrano nos Anais da Casa

        Cumprimento a Mesa, as autoridades presentes, nossos visitantes, e saúdo a todos os serranos que vieram compartilhar conosco este momento que, para nós, se reveste de tão profundo significado.            
    Venho a esta Tribuna consciente da responsabilidade que é qualquer pronunciamento nesta Casa que leva o nome de Elon Wood Duarte Barcelos.
      Conheci pessoalmente o Dr. Elon e sou testemunha, não só de sua honradez, de sua integridade, mas também da forma como ele exerceu a sua profissão. Jamais o Dr. Elon deixou de atender a um chamado. A chuva, as geadas, as frias madrugadas, os feriados,  nada o impedia de atender com presteza a todos, sem mesmo cogitar se aquele que o chamava era um homem de posses, ou alguém que não tivesse um centavo para lhe dar.
    O Dr. Elon, sou testemunha, exerceu a Medicina como um verdadeiro sacerdócio. E tenho certeza também de que, por todos os lugares por onde andou, ele deixou um rastro fundo de bondade.
      Sou portadora do  Manifesto Serrano, escrito por antigos moradores deste município, e que trata, basicamente, da pecuária extensiva e das profundas modificações do ecossistema causadas pela proibição da tradicional Queima do Campo.
       Em nome do Grupo Serrano, solicito a inclusão deste documento nos Anais desta Casa, para que as gerações futuras tomem conhecimento da lamentável realidade em que se encontra, nos dias de hoje, toda a região de nossos antigos campos.
    Peço licença à Mesa para fazer um breve comentário sobre questões pertinentes às abordadas no Manifesto Serrano.
      E quero iniciar este breve comentário, trazendo palavras de um pensador oriental. Ele diz assim:
    “Existem três coisas que ninguém consegue esconder: o sol, a lua e a verdade.”
     Essas palavras me alegram, me fortalecem e, de certa forma, me tranquilizam, por que, sem nenhuma dúvida, a verdade se fará ouvir. E um dia, talvez mais cedo do que se imagina, a insensatez da proibição da Queima do Campo em Cima da Serra será para todos uma evidência.
       É bem verdade que, ultimamente, algumas vozes têm se pronunciado sobre o equívoco que se está cometendo no que se refere aos destinos que se vêm dando aos Campos de Cima da Serra.
      Mas, que diferença dessas vozes que vêm de longe para a voz daqueles que amam esta terra, daqueles que tiveram, nesta terra, as lições mais lindas, e também as mais profundas; daqueles que têm, neste chão, a sua raiz, o seu passado, toda a sua História.
     Que diferença daquelas vozes tão distantes para a voz daqueles que vivenciaram, em nossos galpões, a mais larga hospitalidade; daqueles que, ao cair da tarde, sentiam a alma inundada pela paz que reinava na imensidão de nossos campos, sentiam a alma inundada pelo silêncio, pela grandiosidade daquele silêncio que ecoava quase como uma prece...
       Ah! Com que facilidade se admite um equívoco que vem destruindo todo um ecossistema...
    E, ao falar em destruição, é oportuno lembrar a catástrofe que está acontecendo nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, estados que estão sendo invadidos por detritos poluentes gerados por uma atividade econômica.
       E, neste momento, é preciso que se diga, de cabeça erguida e com a voz firme, que aqui, em Cima da Serra, nestes campos que se estendiam desde nosso município até Lajes, em Santa Catarina, havia uma atividade econômica que, por mais de duzentos anos, não gerou qualquer detrito poluente, uma atividade econômica que nem mesmo lixo produzia.          
      E é necessário que nossa cabeça permaneça erguida, e que firme permaneça a nossa voz,      para que as gerações futuras saibam que esta atividade econômica, a pecuária tradicional, que por mais de dois séculos não gerou absolutamente nada de detritos poluentes, que esta atividade econômica não foi contemplada pelos órgãos oficiais com o devido respeito. E uma lei, uma lei completamente equivocada, uma lei que eu diria criminosa, inviabilizou a sua continuidade.
    Que grande esse equívoco!... Que grande e que lamentável esse equívoco!...
      Esse equívoco retirou de nossas vidas o sentido mais amplo, retirou de nossas vidas o sentido mais profundo. Esse equívoco tirou a base do nosso conhecimento, daquele conhecimento centenário que aprendemos com os nossos pais, com os nossos avós, nossos bisavós, e com o qual mantivemos intacto, no decorrer desses duzentos anos, todo esse ecossistema.
      Mas a lei, aquela lei por demais equivocada, anulou esses ensinamentos de nossos antepassados e, como decorrência, nossas águas já não são límpidas; como decorrência, não há mais a beleza de nossos campos.
       Esse equívoco colocou, diante de nossos olhos, a perspectiva de um futuro impregnado de dor, futuro impregnado de uma dor proveniente de doenças... doenças como o câncer, doenças como o Alzheimer, doenças como o enfarto.
       Esse equívoco colocou em nossas vidas uma angústia doída demais para que se possa conviver com ela, que é a angústia de ver, a angústia de perceber, dia após dia, o destroçar de todo um passado, passado em que, certamente, poderíamos nos apoiar com firmeza para prepararmos um amanhã em que se pudesse viver com dignidade.
        E nossos passos... nossos passos já perderam a certeza do caminho. Nesta direção, se deparam com as águas poluídas;  nesta outra, com a morte dos animais; numa terceira, é o câncer , é o Alzheimer... E ali, logo ali, se fará um deserto...
     E, assim, nossos passos nos conduzem, apenas, para  presenciarmos o esfacelamento de toda uma cultura.
       Com que naturalidade se aceita um equívoco que vem estragando nosso campo, desfazendo a nossa paisagem – a mais linda deste planeta!
          Com que leviandade se aceita um equívoco que vem exaurindo nossa terra, empobrecendo-a para nossos próprios filhos, roubando-a de nossos próprios netos.
         Esse equívoco colocou em nossa alma um inexplicável, um incomensurável vazio.
           Esse equívoco colocou, no fundo de nossa alma, a desesperança...
           E as conseqüências se fazem inevitáveis, as conseqüências se fazem por demais dolorosas:
            - o homem serrano já não tem raiz;
            - o homem serrano já não tem identidade.
       E a nossa cerração que, ontem, espalhava tanta beleza na imensidão de nossos campos, encobre, hoje, tão somente, a ausência dos animais que compunham a nossa paisagem; nossa cerração que, ontem, naquelas frias madrugadas de agosto, pontilhava de tantos mistérios aqueles lendários Campos de Cima da Serra, hoje, encobre, não mais que a ausência do tipo humano próprio desta região – o gaúcho serrano – o inigualável gaúcho serrano, esse gaúcho que quase não se vê mais, esse gaúcho que já não mantém a característica mais marcante que tínhamos e da qual tanto nos orgulhávamos, que era a de sermos uma das cidades mais gaúchas deste nosso Rio Grande!
       Que as gerações futuras venham a saber desse crime, desse crime hediondo cometido nos Campos de Cima da Serra.
        Muito obrigada

                                                                                 Luciana Olga Soares



          São Francisco de Paula, 11 de dezembro de 2015 

12 comentários:

  1. Boa tarde Dona Luciana!
    Passando aqui apenas para deixar registrado que li o seu pronunciamento, e agradecer pela conversa que tivemos ontem, foi muito valiosa! É muito bom ter a oportunidade de escutar pessoas com a sabedoria e vivência da senhora. Obrigado!
    Demetrius Decconto.

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  2. Boa tarde, Luciana!
    Apenas deixo aqui registrado que li o manifesto, e agradeço pela conversa que tivemos na última sexta-feira, foi de extrema relevância.
    Precisamos ecoar nossas vozes para preservar o que ainda resta dos campos de cima da serra e da pecuária extensiva.
    Tatiana

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  3. Cara Luciana. O "Manifesto" eu já conhecia. Posso dizer com orgulho que tive até pequena participação na sua elaboração. O que não lera ainda era teu pronunciamento perante a Câmara de Vereadores. Li agora. Da tua lavra, não poderia esperar menos. É excelente, enfatizando tanto os aspectos ecológicos como estéticos de nossos Campos Dobrados da Serra. Sabes que não sou filho natural daqui, mas pelo afeto a essa Querência, adotei-a como minha terra. Tomei a liberdade de dar mais publicidade aos textos acima. Um grande abraço. PAULO BECKER

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  4. Lindas palavras, dona Luciana! Infelizmente o capitalismo selvagem, o gosto pelo lucro fácil passa por cima de tudo e de todos. Acontece também com as sementes crioulas de milho e outros cereais. Imprescindível que se coloque diante de todos a verdade. Suas palavras são sementes que, certamente, frutificarão.Nunca desista! Forte abraço! Guisela Gehm.

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    1. O que você quis dizer com a expressão "lucro fácil"?
      É imprescindível que explique ou exemplifique para melhor entendimento de seu comentário.
      Obrigada!
      Priscila

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  5. Luciana, Li o manifesto motivada pela conversa que tivemos no domingo, dia 04.03.18. Essa terra é muito importante para mim, pois é o lugar onde meu pai nasceu e sempre se orgulhou. Ele faleceu em julho de 2017, com 85 anos e nos deixou grandes ensinamentos e preocupação com a natureza. Grande abraço e força na luta. Eliane Zarth Souza.

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  6. Prezada Dona Luciana:Primeiramente, quero mencionar o enorme prazer de tê-la conhecido (sábado 07/07/2018) e admirar suas lindas obras arquitetônicas e culturais, as réplicas e livraria como um todo!
    Em segundo lugar, as narrativas que nos fez, foram aulas repletas de história dessa linda terra e assim sendo, ficamos muito agradecidos!
    E, em terceiro lugar, não menos importante,é claro, seu pronunciamento admirável na Câmara de Vereadores: O Manifesto Serrano! Além de considerá-lo um poema, é um clamor, um lamento, um alerta, um socorro, para que as ditas autoridades acordem e vejam a realidade, o que está acontecendo ao seu redor!!!
    Parabéns, Nobre Senhora por tão Belo Trabalho! Desejo-lhe muita Saúde e Sucesso Sempre, para que seus projetos que mencionou-me, sejam realizados!!!
    Quando,novamente,eu possa vir nessa Linda Terra, espero visitá-la para lhe dar um forte abraço!
    Assim seja!
    Tudo de bom!!!
    Grato por tudo
    Adans Iraheta Marroquin
    Professor aposentado do curso de Engenharia na Universidade de Passo Fundo.

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  7. Nossa dona Luciana,muito lindo o seu pronunciamento!! Um pedido de socorro em forma de poesia! Foi um prazer conhecer a senhora e sua esplendorosa livraria 25/05/2019.

    Um forte abraço de Andreia e David

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  8. Parabéns pelo trabalho e pela livraria, estamos à disposição para tratarmos de projetos comuns!

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  9. Dna. Luciana, neste último domingo em São Francisco, ganhei dois valiosos presentes: tê-la conhecido foi um deles, talvez o mais importante. E outro, com a Sra. bem acompanhou, foi a descoberta em seu precioso "sebo", de livros que já habitaram as estantes da casa de meus pais, muitos deles com seus nomes grafados, ora de um, ora de outro! Foi uma breve e emocionante visita ao passado, e por isto sou-lhe muito grato. Um abraço carinhoso deste seu novo amigo.
    Jorge Krahe

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  10. Dna Luciana,em nossa passagem ontem (Domingo,03.11.2019) pela amada São Francisco de Paula, conhecemos sua Livraria (Miragem), e foi também muito importante termos podido nos nutrir de sua sabedoria e de seu profundo conhecimento sobre os lendários Campos de Cima da Serra. Desejamos-lhe nobre senhora , vida longa para que o apelo de sua voz possa ainda salvar os Campos de Cima da Serra. Um forte abraço destes novos amigos que torcem por suas ideias.(Voltaremos)
    Rogério e Ivone
    Canoas RS

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